Planejamento, na minha experiência
Assim como os Beatles, o “planejamento” surgiu nos anos 60 na Inglaterra, mas, ao contrário deles, nasceu e cresceu em agências de publicidade nos primeiros 20 anos de existência. Nos anos 90, estendeu-se para outros domínios além da propaganda.
Hoje, de uma forma ou de outra, está presente nas agências de design, branding, promoção, internet etc.. Ou melhor, de muitas e diversas formas, pois, se existe algo que caracterize esse cinquentão é a elasticidade e a flexibilidade. Nasceu com um escopo que foi se ampliando, esticando e até inchando um pouco, para enfim tornar-se aquilo que é hoje.
Obviamente, o planejamento que antecede a disciplina específica de comunicação é uma noção muito mais abrangente. Planejar, em qualquer esfera, significa antecipar as decisões e as escolhas que venham a se fazer necessárias, para aumentar as chances de sucesso de um esforço, uma ação, um intento. Tudo pode ser planejado – ou deveria ser.
[accordion autoclose=”true” openall=”false” id=’1′][item title=’A Visão de Stephen King’]
Minha visão original de planejamento foi moldada pelas ideias e práticas de Stephen King, o pioneiro inglês que iniciou a disciplina em 1964 na JWT, onde trabalhei por uma década e meia. Nos anos 90, como “head of planning” da JWT na América Latina, fui responsável por essa atividade e pela formação de centenas de profissionais, disseminando em nosso continente essa visão de planejamento.
Nos últimos anos, antes de deixar a NBS, agência que ajudei a fundar e a se firmar, pretendi estender a visão de planejamento para além da propaganda, englobando as novas formas de comunicação que ajudam a criar mais valor para as marcas e as pessoas.
Segundo Stephen King, o papel central do planejamento é contribuir, de maneira decisiva, para a agência – a equipe em geral e a criação em particular – produzir uma propaganda (uma comunicação) que consiga surtir mais efeito e se distinga das outras – “more effective and distinctive”.
Ora, a comunicação que surte mais efeito e se distingue é a que contém uma ideia que toca alguma verdade do ser humano, algum sentimento, necessidade ou desejo das pessoas. Stephen King constatou isso meramente observando que os melhores criativos “planejam” instintivamente, por puro talento e percepção do ser humano.
Portanto, o criativo não precisa, em princípio, de um planejador. Mas isso não significa que não possa receber contribuições fundamentais. E acredito que ele ou ela nunca tenha precisado tanto de um planejador ao seu lado como no atual mundo “beta”, em mudança constante e acelerada.
Foi assim que surgiu um novo perfil de profissional na agência, comprometido a dedicar-se o tempo todo a quatro papéis principais:
(1) pesquisar e entender as pessoas, para alimentar o processo criativo com insights humanos, sociais e culturais;
(2) estudar e analisar o mercado e o negócio, para entender a ambição da marca e criar uma estratégia efetiva de posicionamento diante da concorrência;
(3) consolidar e resumir as descobertas e os insights de todas as áreas de competência da agência em um brief interno coerente, e depois juntar as recomendações criativas em um plano integrado, de modo a contar uma história estimulante e convincente para o cliente.
(4) utilizar as melhores ferramentas de aferição dos resultados para medir e analisar a efetividade da comunicação, e disseminar os aprendizados para elevar a qualidade das próximas ações.[/item][/accordion]
[accordion autoclose=”true” openall=”false” id=’2′][item title=’The Thompson Way’]
Stephen King imaginou um método para organizar as informações e insights, formatando-os de uma forma consistente, com pensamentos, objetivos e estratégias bem definidos. Estruturou o planejamento publicitário em torno de princípios, conceitos, ferramentas e processos.
Ainda nos anos 60, criou o T-Plan: Target Plan. Depois, veio The Thompson Way of Planning Advertising, que se tornou referência nos anos 80/90, justificando o título de “a Universidade da Propaganda”, dado por David Ogilvy à JWT. No final dos anos 90, já em tempos de comunicação integrada, surgiu o TTB – Thompson Total Branding – que ajudei a desenvolver como um dos quatro “heads” regionais de planejamento da JWT no mundo, representando a América Latina.
A era dessas metodologias proprietárias de planejamento parece ter passado nas agências de propaganda, talvez porque não se consiga mais empacotar “tudo o que é preciso” em uma caixa de moldes conhecidos, quando se exploram domínios novos, desconhecidos.
As “branded” metodologias ainda proliferam nas empresas de pesquisa e hot-shops de planejamento de marca e comunicação; e nas agências de design, ideação e inovação.
O brief criativo talvez seja a única ferramenta de planejamento que surgiu na origem dessa atividade e se mantém até hoje, universalmente. Não importa em que terreno da comunicação, toda agência tem que ter uma forma de “brifar” a equipe de criação e as outras áreas de competência.
Entendo que o brief é o documento escrito de síntese do planejamento, acompanhado do conjunto de referências e evidências sustentáveis. Briefing é o processo de “brifar”, isto é, contar ao vivo a história toda, de maneira estimulante. Tanto um como o outro – o brief e o briefing – podem existir sozinhos, mas não deveriam. A maneira como eles são realizados reflete o entendimento da agência de como a comunicação funciona e o seu grau de convicção no planejamento.
Meu enfoque de brief criativo continua sendo o “princípio de estímulo e resposta”, formulado por Stephen King. Além de valer para qualquer forma de comunicação, tem o mérito de ser uma forma simples e relevante de abordar qualquer questão a ser trabalhada.
O ponto de partida não é: “qual a mensagem que o emissor quer enviar ao receptor?” E sim: “qual a resposta que se quer das pessoas?” A partir daí se pode elaborar quais são os estímulos que poderiam gerar essa resposta: qual a mensagem, o benefício, a personalidade de marca, os canais de conexão, a tecnologia etc.
É cada vez mais difícil gerar determinadas respostas nas pessoas. Pois as respostas mais desejadas hoje têm a ver com vínculos genuínos, conversações verdadeiras e relacionamentos relevantes. E isso é muita areia para o caminhãozinho da propaganda movimentar sozinho. Assim como é muita areia para um criativo-gênio isolado ou um planejador-multitasking solitário.
É mais fácil planejar quando a maior parte da comunicação se resume ao monólogo publicitário. Difícil é planejar e criar a comunicação de diálogo, informação, entretenimento e utilidade, integradamente. [/item][/accordion]
[accordion autoclose=”true” openall=”false” id=’3′][item title=’O Planejamento Inchado’]
A cada dia surgem novos canais, meios e contextos, cujo funcionamento apenas começamos a compreender e que se modificam o tempo todo. São novos comportamentos, atitudes, hábitos e aspirações que se formam, se avolumam e se modificam de novo, mais rapidamente do que podemos acompanhar.
O maior desafio atual é fundir os valores do planejamento publicitário e do planejamento de marca ao planejamento dessas novas formas de comunicação e conexão. E encaixar esses valores na “caixa-ainda-preta” do processo criativo multiplataforma.
Mas há outras questões, decorrentes da explosão do planejamento nos últimos dez ou quinze anos, que refletem as dores do crescimento.
Uma nova geração de planejadores está bombando no mercado. Se há escassez de recursos experientes, sobram ideias e paixões nesses jovens supermotivados, antenados e sem vícios, com muita sede de aprender, experimentando e praticando.
A experiência do passado tem um valor enorme (não serei eu a dizer o contrário). Mas o conhecimento do agora vale cada vez mais: o que está rolando no mundo e na vida das pessoas é uma nova forma de saber, que se torna cada vez mais essencial.
Hoje, equipe é tudo. O superplanejador experiente, se é que existe um, não basta. É muito difícil, para uma única pessoa, aprofundar-se em todas as habilidades que o planejamento atual requer. Mesmo quem as tenha não conseguirá tempo para exercê-las todas, sozinho, à exceção talvez das pequenas agências ou projetos isolados.
Assim como existem o diretor de criação, o redator, o diretor de arte, o ilustrador, o RTV, o produtor gráfico e outras funções que se complementam, o planejamento se agranda quando se calca em uma equipe com complementariedade de competências.
O problema é que o planejamento é uma disciplina que ainda sofre fortes restrições em matéria de investimento e “headcount”, com poucas exceções que confirmam a regra. Isso ocorre devido a um lema gerencial que tem prevalecido em grande parte das agências: a “gestão a sangue frio”. Contraponho a esse mote um outro modo de pensar e agir: “Planejamento sim. De qualquer jeito e a qualquer preço, não.”
O dilema dos gestores é que o planejamento é uma demanda crescente dos clientes, uma condição quase sine qua non. Ao mesmo tempo, a remuneração cai. E as agências com modelos convencionais de remuneração dificilmente podem cobrar pelo planejamento. São a maioria. Porém, nenhuma pode deixar de oferecê-lo, mesmo não havendo uma demanda interna concreta (tenho dúvidas se já são maioria os diretores de criação a exigir um planejador ao seu lado).
Nesse contexto prevalece a norma das “equipes enxutas.” E quando a porca torce o rabo, principalmente nas concorrências, entra o planejamento flutuante dos freelancers. Nada contra, salvam muitas situações. Ou melhor: algo contra sempre haverá, mas não é meu propósito discutí-lo agora.
Outros fatores, além das concorrências, transformam as equipes enxutas em subdimensionadas e sobrecarregadas. O primeiro deles resulta da fórmula: reunismo + tarefismo = padaria.
É um entra e sai de reuniões convocadas pela “diretoria” que mina o tempo de que o planejador deveria dispor para cumprir direito as suas funções originais. E um monte de apresentações da própria agência ou do cliente, que passaram a ser tarefa do planejamento, e que precisam ser entregues como pão quente, a toda hora.
Soma-se a isso a juniorização de muitos clientes, que colocam na linha de frente, no marketing e na interlocução com a agência, jovens com pouca experiência (mais baratos), sem poder de decisão e carentes de critérios fundamentados.
De certo modo, sacrifica-se o papel primordial dos profissionais de planejamento – ter tempo para pesquisar as pessoas e discernir a melhor estratégia de comunicação e construção da marca; ter foco em alimentar e inspirar o trabalho da criação, da mídia, do “digital” e das outras disciplinas da agência.
Compromete-se também o papel mais recente e inspirador que o planejamento adquiriu na última década, que é o de antecipar tendências e ser o porta-bandeira de inovações na agência, sobretudo no uso das novas tecnologias e plataformas digitais.
Não sou pessimista, pelo contrário! Acredito que a atual geração saberá reforçar o papel do planejamento em prol de uma comunicação “more effective and distinctive.”
Entretanto, resta resolver também o dilema da consultoria mais ampla de planejamento que a agência de propaganda se vê obrigada a prestar a certos clientes. É o caso de muitos pequenos e médios (e alguns grandes), que não possuem uma estratégia clara de negócio e, às vezes, sequer um posicionamento definido de marca.
Por um lado, é isso mesmo que esse cliente espera da agência. Mas não aceita pagar por aquilo que pagaria se contratasse uma das tantas consultorias independentes de planejamento que surgiram nos últimos anos – cujas recomendações, aliás, o cliente tende a respeitar mais do que respeita as da própria agência, talvez porque estas sejam “de graça”, ou, por isso mesmo, em muitos casos, superficiais.
Por outro lado, a agência tem que abraçar essa demanda, pois é quase impossível uma comunicação “ser efetiva e se distinguir” se não houver uma estratégia efetiva de negócio e um posicionamento distintivo de marca. Se uma agência não o fizer, outra fará. Bem ou mal.
Tudo é possível se a agência se aparelhar com uma equipe de planejamento adequada, mesclando talentos e especialidades, juventude e experiência, e um número suficiente de profissionais. Alguns movimentos recentes no mercado revelam que existem gestores empenhados em criar um modelo de negócio que sustente uma equipe forte de planejamento, como diferencial competitivo e não apenas “para o gasto”.
É curioso lembrar que as maiores resistências que o planejamento enfrentou inicialmente vieram do atendimento, que temia perder o protagonismo no entendimento do negócio, no desenvolvimento do pensamento e na formulação da estratégia. Com o tempo isso foi superado e o atendimento tende a ter hoje o planejamento como um forte aliado na conquista e manutenção de clientes. [/item][/accordion]
[accordion autoclose=”true” openall=”false” id=’4′][item title=’Digital e Conteúdo’]
As novas empresas de internet e agências de conteúdo e plataformas digitais representam uma enorme oportunidade para os planejadores. Nelas predominava inicialmente o planejamento “tático” de implementação da ideia, da arquitetura, do cronograma de produção e do fluxo das ações. Mas hoje avançam claramente no planejamento dito “mais estratégico”, envolvendo os valores de marca, a visão de negócio e o pensamento integrado com as outras formas de comunicação, sobretudo a de massa.
Ao mesmo tempo, essas novas unidades de criação e produção digital dispõem de ferramentas mais propícias à medição da efetividade da comunicação e do conteúdo, e estão na vanguarda da inovação, um prato cheio para os planejadores.
O planejamento digital e multiplataforma vem-se desenvolvendo há tempos e engloba abordagens específicas e diferentes do planejamento publicitário e do planejamento estratégico de marca e negócios. Por exemplo, pressupõe conversas e a gestão delas, ao contrário do modelo tradicional de transmissão de uma mensagem e gestão da sua propagação.
Mas o mais fascinante não é o planejamento concentrar-se em atividades de “non-advertising”, embora isso também seja um admirável mundo novo. Nem o planejamento resgatar o papel original “voltado para dentro” – seu papel mais importante, na minha opinião – de energizar a criação, a execução e a distribuição do conteúdo.
A integração da criação com a produção na agência digital implica que a cumplicidade do planejamento com a criação gere uma aproximação maior do planejamento com a execução. Nas agências de propaganda, a proximidade do planejamento com a criação já é difícil, e a dele com a produção, impensável.
O foco do planejamento é alimentar a criação e ser retro-alimentado por ela, evitando uma linha de fabricação linear, em que uma coisa venha depois da outra de maneira estanque e excludente, primeiro planejamento, depois criação e finalmente execução (incluindo a ativação de redes sociais, a inserção em canais de mídia, a geração de buzz etc.). [/item][/accordion]