A cozinha de Dona Brazi
Foi emocionante: antes de eu voltar à casa, Dona Brazi me levou a comprar, no Mercado Municipal de São Gabriel da Cachoeira, os ingredientes de um prato de traíra moqueada que eu levaria para fazer em São Paulo.
Queria compartilhar com a querida Fernanda Valdívia, cozinheira, padeira e confeiteira, e meu amigo Carlos Alberto Dória, sociológo e crítico gastronômico, uma pitada da experiência de almoçar e jantar três dias seguidos na casa da Dona Brazi, em São Gabriel.
Eu estava lá a trabalho pelo Instituto Socioambiental, apoiando o Projeto Yaripo de concepção de uma startup de ecoturismo sustentável e base comunitária dos Yanomami no Pico da Neblina (sobre isso, leia os três posts anteriores: “A startup de ecoturismo“, “Partiu a expedição ao Pico da Neblina” e “Planejando a expedição“).
Escolhi o “Desfiado de Traíra Moqueada” porque os únicos ingredientes que eu precisaria levar seriam a própria traíra, defumada à moda indígena da Amazônia, e a pimenta de cheiro.
O resto – cebola roxa, coentro, salsa, cebolinha, limão e sal – se encontra facilmente em São Paulo, claro. A receita está no livro da Editora Bei, “Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica“, de Maria da Paz Trefaut.
Dona Josefa Antônia Gonçalves, como se chama ela na verdade, pertence à etnia indígena Baré e se tornou conhecida pelas deliciosas receitas de comidas típicas, que primam pela simplicidade e criatividade no uso de “pancs” (produtos alimentícios não convencionais) da Amazônia.
Foi ela quem chamou a atenção da gastronomia brasileira para um ingrediente nada convencional da culinária amazônica, que são os diversos tipos de formigas comestíveis, sobretudo as saúvas com sabor picante e aroma de capim-santo.
A refeição completa na Dona Brazi custa R$ 35,00, incluindo salada, prato principal, acompanhamentos, suco e sobremesa. Segue a lista de tudo que provei:
- Mini-piabinhas fritas
- Vinagrete de formigas saúvas.
- Desfiado de traíra moqueada.
- Ensopado de queixada com mandioca da roça
- Baião de dois.
- Ensopado de paca
- Cará assado com cebola e repolho
- Revirado de tatu moqueado
- Mujeca de piraíba
- Cascata de surubim
- Banana pacova ao forno, assada na casca, com mel, canela e geléia de açai.
- Cubiu em calda com tirinhas de folha de laranjeira
- Creme de maracujá-do-mato
- Creme de cupuaçu
Todas as receitas estão no livro da Maria da Paz Trefaut, “Dona Brazi: Cozinha Tradicional Amazônica“, da Editora Bei.
Faço minhas as palavras do chef Alex Atala, no prefácio do livro:
“Dona Brazi é mais do que uma simples cozinheira. É uma defensora da cultura, a mantenedora de uma sabedoria difundida por gerações que corre o risco de desaparecer se não for protegida. Proteger, importante lembrar, não é simplesmente catalogar: é dar vida.”