Publicidade é minha profissão. Não é minha vida.
Falo de boca cheia: sou amigo do Rynaldo na vida real. E tenho o maior orgulho de ter trabalhado com ele na NBS. Diretor de criação na Almap/BBDO, perfeccionista, exigente consigo mesmo e com os outros, principalmente planejadores como eu. Ensinou-me muitas coisas e aprendeu algumas poucas comigo. É um profissional notável, reconhecidamente, porém o que mais admiro nele é a dimensão humana, a visão existencial do trabalho e da profissão que ele encarna. Basta ler o que escreveu no Clube de Criação SP. É tocante e inspirador. Serve como referência de vida para os jovens que começam em qualquer profissão, não só na publicidade.
Este é mais um daqueles textos de um publicitário falando de si mesmo. Mas procure não desistir nos primeiros parágrafos. Suspeito que tenho algo a dizer.
Sou casado com uma mulher incrível. Tenho a melhor mãe do mundo e os melhores irmãos do mundo, também. Tenho amigos extraordinários capazes de fazer grandes sacrifícios por mim. Não é uma crença. Eles já provaram isso muitas vezes, porque sou o tipo de amigo que demanda. Sou apaixonado por U2. Tenho o privilégio de ter o hobby mais divertido que alguém pode ter na vida: eu voo. Estou escrevendo um livro com histórias extraídas dos meus voos de teco-teco. E sou redator publicitário.
Tenho um profundo respeito pela minha profissão. Respeito e gratidão. Até porque alguns desses amigos extraordinários apareceram na minha vida graças à publicidade. E é dela também que vem o dinheiro para queimar combustível no teco-teco. Mas a publicidade não é minha vida. É só minha profissão.
Acho que redator publicitário é o melhor emprego que alguém pode ter. Mas é um emprego. E, honestamente, eu não teria um se não precisasse. Se minha mulher fosse milionária, por exemplo, jamais escreveria um anúncio ou exerceria qualquer outra atividade profissional. Mas a minha mulher é linda, inteligente e possui um ligeiro mau gosto. Desejar que ela se torne milionária é abusar da sorte.
Sempre que o Luiz Sanches me entrega um JOB muito bom e diz que é para eu me divertir, eu retruco dizendo que nós temos ideias bastantes distintas de diversão. Ele não deve mais aguentar a piada.
Nem sempre pensei assim. Quando tinha vinte poucos anos, havia comprado completamente uma ótima campanha institucional de uma grande agência que enaltecia os profissionais que respiravam, comiam e sonhavam com publicidade. (Outra coisa formidável do nosso trabalho: não somos cínicos. Somos as primeiras vítimas do nosso ofício. A gente acredita em campanhas publicitárias e paga mais caro por produtos que a gente mesmo anuncia).
Só comecei a ter uma relação saudável com a publicidade aos 30 anos. E foi justamente nesse momento que meu trabalho melhorou.
Credito às pessoas que fazem da publicidade as suas vidas algumas das piores mazelas do nosso ofício. A falta de ética, a falta de hombridade, falta de humanidade, falta de respeito e até a falta de criatividade.
Sim, viver somente para a propaganda, na minha opinião, diminui a criatividade. O raciocínio é simples: se um profissional é capaz de criar coisas sensacionais lendo apenas anuários e frequentando somente festivais de propaganda, imagine o que ele seria capaz de fazer lendo Machado de Assis e frequentando museus e botequins.
Se a publicidade é a sua vida, você não vai querer perder tempo enaltecendo o trabalho de um concorrente. É mais lucrativo enfiar o cacete no trabalho de um colega. E assim a ética vai para o ralo. Essa semana mesmo, vi um sujeito comentando um post de uma agência no Facebook só para ironizar o trabalho. Fiquei curioso. Busquei o nome do cara no Google. Vi que ele é redator, mas não encontrei um só anúncio que ele tivesse feito.
Quando o trabalho é a sua vida, o sucesso é a única chance de sobrevivência. E o fracasso é a morte. Portanto, tudo é justificável. E, diferente de todas as pessoas do mundo, você não precisa ter hombridade. Lembro agora daqueles profissionais que não perdem a chance de criticar um colega para o chefe. Aquelas pessoas que parecem mais preocupadas com o que aparece na tela do colega do que com o que aparece na tela à sua frente. E aqueles líderes que sempre creditam a eles tudo que dá certo e culpam a equipe por tudo que dá errado.
Quando a publicidade é a sua vida, você só acumula cultura publicitária. Isso prejudica o critério para avaliar o seu próprio trabalho e deixa você vulnerável para inadvertidamente desrespeitar pessoas e perpetuar preconceitos. Já reparou que 9 em cada 10 personagens que aparecem em comerciais exercendo posições subalternas são nordestinos?
Quando o trabalho é a sua vida, você passa a ser uma máquina. Capaz de qualquer coisa para concluir sua tarefa e chegar ao objetivo. Mas, acredite, esse tipo de determinação quase patológica atrapalha muito mais do que ajuda. Pense bem: como alguém com a alma envenenada vai conseguir exercer com excelência uma profissão extremamente humana? Como alguém desumanizado vai conseguir se colocar no lugar de diferentes tipos de pessoas, neste exercício diário de esquizofrenia que exige a nossa profissão?
Não, meu amigo. Creio que achar que o trabalho é a coisa mais importante da sua vida não faz de você um profissional melhor. Apenas faz de você uma pessoa pior.
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