Recebi ontem o Prêmio GP Formadores na Conferência Anual do Grupo de Planejamento. Honrado, orgulhoso e nervoso, falei por meia hora. E disse o que segue.

Hoje, ao invés de fazer uma apresentação de planejamento com slides, como sempre fiz, quero simplesmente dizer algumas coisas para vocês. Já começo tremendo, com síndrome de abstinência de keynote ou powerpoint.
Quero agradecer, quero fazer uma crítica delicada e, no final, quero dar aos amantes do planejamento (e aos estudantes) um presente tirado do baú.
[accordion id=’1′][item title=’Obrigado, Grupo de Planejamento.’]
Agradeço primeiro ao Presidente, Márcio Beauclair, e aos diretores e conselheiros do GP, por esse Prêmio Formadores que tanto me enche de orgulho.
Em especial,  sou grato aos companheiros fundadores do GP, uma dúzia de abnegados, que, há 12 anos, alimentamos o sonho de abrir no Brasil o Account Planning Group.
Lembro que passamos o 2º semestre de 2001 inteiro nos reunindo na casa de um e de outro, traçando um plano de negócios: como o GP poderia sobreviver?
Talvez aqui nesta conferência alguém não saiba, por isso vou identificar esses 12 fundadores idealistas, os mesmos que fizeram os primeiros cursos do Bootcamp no Brasil da Miami Ad School. Foi com a grana desses cursos que financiamos a criação do GP.
Em ordem alfabética: Cecilia Novaes, Daniel De Tomazo, eu, Ken Fujioka, Mari Zampol, Marina Campos, Marlene Bregman, Nelson Kuniyoshi, Paula Rizzo, Paula Sabóia, Rita Almeida e Walter Susini.
A Rita foi a primeira Presidente, e eu fui o seu vice. Depois, vieram a Marina e o Ken. Em seguida a bola foi passada para os que não fundaram, mas consolidaram e deram um nova estatura ao GP. Obrigado, Uli Zamboni, Edu Lorenzi e Marcio Beauclair por sustentar e fazer crescer o nosso sonho.
Interessante notar que apenas três dos fundadores, os mais jovens, continuam a trabalhar em tempo integral em agências de publicidade: o Dani, o Nelson e o Ken.
Tem a Marlene, bem, a Marlene é hors concours. Nunca se aposentou e desconfio que nunca se aposentará, será sempre uma Conselheira Estratégica da Leo. Mais do que isso, inteligente e bem-humorada, é inspiradora de todos nós, sempre foi e será uma grande referência do planejamento no Brasil.
Duas fundadoras, a Paula Sabóia e a Marina, que foi presidente, saíram há muito tempo das agências. Tomaram outros rumos e são bem sucedidas em novas profissões, menos desumanas.
Quatro fundadoras são consultoras de planejamento e pesquisa, queridas e respeitadas no mercado: nossa primeira presidente, Rita Almeida, e a Mari Zampol, Ciça Novaes e Paula Rizzo.
Falta citar só um fundador, além de mim.
Walter Susini, planejador da JWT Milão, que chamei ao Brasil para me ajudar numa concorrência no final dos anos 90 e aqui ficou.
Casou-se com a planner Adriana Baralle e tornou-se pai de duas lindas brasileirinhas, Anita e Maria.
Walter, depois de servir na JWT Brasil, virou cliente na Coca-Cola da América Latina. Depois, consultor na Alexandria, em São Paulo. Agora é de novo cliente, na Unilever, em Londres.
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[accordion id=’2′][item title=’Nem morto nem aposentado.’]
Com seu senso crítico e cáustico de sempre, o Walter Susini me inspirou para o dia de hoje.
Ele disse que esse Prêmio Formadores, que o GP agora me proporciona, é do tipo que só faz sentido para quem já morreu ou se aposentou.
Hehehe! Pelo menos, segundo ele, foi isso o que disse Federico Fellini perante uma premiação similar do Oscar, pelo conjunto da obra, antes de morrer.
Como não estou morto, acho que eu recaio na categoria dos que são considerados aposentados. Não é verdade, faço poucas e boas consultorias de planejamento (nem conto pra quem).
E me divirto bastante, publicando meu novo blog ( jura.com.br) e brincando de fotografo amador no Instagram (juracraveiro).
Mais importante do que tudo isso, há poucos meses fui eleito Presidente do Conselho Diretor do Instituto Socioambiental, o ISA, onde milito há 12 anos. O ISA é a maior e mais respeitada organização brasileira atuando no campo socioambiental, que criou o conceito, o nome e a grafia  há mais de 20 anos. Socioambiental se escreve junto.
Agora, posso dedicar mais tempo à causa dos direitos do povos indígenas, quilombolas, extrativistas e ribeirinhos, e da preservação das suas terras e suas culturas. Quem quiser nos conhecer mais, venha nos visitar em socioambiental.org.
Ajudo assim com alegria os meus antigos companheiros das Ciências Sociais da USP, que se tornaram antropólogos, indianistas e sociólogos do ISA. Fui o único que não deu certo e virei publicitário.
Entretanto, se “aposentado” quer dizer que nunca mais trabalhei fixo em “agência de propaganda”, então é verdade. Delas, sim, me aposentei, depois de 30 anos ralando.
Mas não sem saudades. Que tempo bom!
Hoje vou encarnar o espírito do Susini e girar a metralhadora sobre nós, publicitários e planejadores, e sobre um aspecto negativo do ethos das agências.
Mas antes preciso terminar meus agradecimentos.
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[accordion id=’3′][item title=’Agradecimento aos meus times.’]
Sou imensamente grato às minhas equipes na JWT Brasil, JWT Argentina e JWT América Latina. Em particular, homenageio a minha primeira chefe, aqui presente, a diretora de planejamento, Célia Belém, da JWT São Paulo, nos anos 80.
Aprendi e pratiquei o planejamento me apoiando nos conhecimentos e práticas da “universidade da propaganda”, como David Ogilvy se referiu um dia à “Thompson” (esse era o seu nome, antes do rebranding para JWT).
Em seguida, quero revereciar os meus times na NBS, a agência que fundei, vi crescer e amei; e na qual conduzi o planejamento durante toda a década passada.
Chegou a hora dessa gente bronzeada ver mostrado o seu valor e receber publicamente o meu carinho e reconhecimento (e aqui vou roubar no jogo e usar um slide que não estava no roteiro, pois não posso nomear a todos).
Fabiana D’Orto, Fernando Pieratti, Laura Brasileiro, Carlos Pinto, Mariana Corradi, Bernardo Fernandez, Diego Dumont, Atair Trindade, Rodrigo Neia, Leo Lippel, Ju Susuki, Mariane Maciel, Lu Paim, Marcelo Andrade, Lou Guimarães, Natália Galluci, Carlos Bronze, Lu Portella, Edu Barbato, Carla Purcino, Luiz Felipe Barros, Laura Azevedo, Gabriela Clayton, Brani Socialiano, Augusto Savieto, Augusto Veríssimo, Carol Tristão, Marcelo Cabelo, Betânia, Vítor, Felipe…
Perdoe-me se esqueci alguém. Conferi os nomes ontem à noite!
Não, não esqueci vocês, Taci Abreu, Bruno Cunha e Gian Martinez!
São vocês os planejadores jovens que mais me influenciaram! Feliz de vê-los hoje seguindo trajetórias brilhantes, na McCann, Ogilvy e Coca-Cola, respectivamente.
Obrigado pelo rejuvenescimento que me propiciaram em momentos-chave diferentes da minha vida profissional e pessoal.
Agora, falta só agradecer aos que foram os sustentáculos, deram vida e contribuiram à minha visão de planejamento, até a saída da NBS. Meus líderes!
Presto homenagem à Gisela Toledo, a corajosa pequenina, diretora de planejamento da NBS-SP; ao Chico Villhena, o meu mais completo braço direito, ex-diretor da NBS Rio e atual diretor de estratégia na FutureBrand; à Carla Sá, a gênia de quem recebi grandes lições, de estratégia e de vida, hoje a serviço da qualidade de conteúdo na Globo; e à sua surpreendente sucessora na NBS Rio, a incrível Paula Lagrotta.
Não tenho tempo para citar os caras de outras disciplinas, tão fundamentais. Perdoem-me os criativos, os atendimentos, os mídias, os digitais, os produtores, os administrativos e financeiros…
Hoje é dia dos planejadores.
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[accordion id=’4′][item title=’Respeito aos fatos, respeito aos outros.’]
Preciso confessar: mais do que ter sido sócio de agência e construído cases como o da marca Oi, o que mais me enche de orgulho é ter contribuído para o crescimento profissional e humano de centenas de publicitários.
Quero crer que ajudei dezenas deles a se tornarem bons planejadores.
Durante os anos 90, além de head of planning, fui responsável pelos programas de desenvolvimento e treinamento profissional da JWT na América Latina, incluindo o Brasil. Depois, fiz o mesmo na NBS, na década seguinte.
Afirmei e defendi valores, mais do que só compartilhar as necessárias técnicas e ferramentas de planejamento.
Sempre acreditei no que disse certa vez o filósofo, sociólogo e analista político francês, Raymond Aron, em uma aula de formação para jovens profissionais:

“Este curso não se destina a ensinar o que vocês devem pensar; mas gostaria que lhes ensinasse duas virtudes intelectuais: a primeira, o respeito aos fatos; e a segunda, o respeito aos outros”.

Se, por um lado, as agências avançaram incontestavelmente na primeira virtude e, hoje, têm mais embasamento técnico e planejam melhor, apoiando-se em fatos e pesquisas; por outro lado, a segunda virtude, o respeito aos outros, é uma vergonha.
Falta de respeito aos outros, em muitos sentidos.
No sentido lateral, intra-disciplinar, dentro de cada departamento; ou inter-disciplinar, entre departamentos diferentes da agência.
E falta de respeito no sentido vertical, hierárquico, de cima para baixo.
Não só no plano pessoal, mas também incluindo o desrespeito da empresa com os profissionais, colaboradores, free-lancers, parceiros, fornecedores…
Não é privilégio de agência! Qualquer tipo de empresa comete esse desvio.
Em lugar da alegada meritocracia, todos sabemos quantos brucutus abusivos existem em postos de comando; e quantos narcisos arrogantes maltratam o comum dos mortais, aquele que não é do mesmo ofício ou da mesma tchurma.
Algumas formas de desrespeito são mais comuns: a empresa que não cumpre o que promete; a chefia que trata mal a equipe; o profissional que destrata o colega, na lateral, ou, mais comumente, na posição abaixo; e o bullying ou o assedio moral etc. dos mais fortes, por exemplo, sobre os (as) estagiários(as)…
Na vida real, em toda profissão, não é difícil quem um dia é desrespeitado tornar-se desrespeitador no dia seguinte. Assim como o explorado vira facilmente um explorador.
Todos nós em algum momento da vida corremos o risco de cair nessas armadilhas. Admito, também já pequei.
Não é raro a gente se deparar hoje com planejadores metidos, que se acham com o rei na barriga.
É ruim quando a soberba contamina o planejamento. Não se justifica os planejadores sucumbirem aos vícios e vaidades que mancham o perfil de outros publicitários, até famosos, no universo das agências.
Planners que encarnam ridiculamente o velho estereótipo do criativo egocêntrico. Ou do diretorzão truculento. Mais patético ainda é quando são jovens pomposos, fedelhos com pedregulhos na boca, falando difícil.
Vão frontalmente contra à ideia de que o planejamento, por definição, deve ser o metiê mais generoso do nosso meio. Mais do que ninguém, existimos para ajudar os outros a brilhar.
Ouvindo. Estudando, pesquisando. Alimentando, estimulando as pessoas com insights e informações. Propondo rumos ou caminhos possíveis. Sintetizando, consolidando.
Somos um meio, não um fim. Nosso fito é contribuir para melhorar o processo de trabalho e o resultado dele.
Afinal, planejar significa antecipar as decisões que são necessárias para melhorar as chances de êxito de uma iniciativa, um intento, uma ação – uma campanha, por exemplo!
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[accordion id=’5′][item title=’Publicidade é minha profissão. Não é minha vida.’]
Meu amigo-irmão, Rynaldo Gondim, uma das lideranças criativas da Almap, prestes a ser papai, escreveu há pouco um artigo para o Clube de Criação, que reproduzi em meu blog:
Publicidade é minha profissão. Não é minha vida.”

Pérola #1: “Credito às pessoas que fazem da publicidade as suas vidas algumas das piores mazelas do nosso ofício. A falta de ética, a falta de hombridade, falta de humanidade, falta de respeito e até a falta de criatividade.”
Pérola #2: “Se a publicidade é a sua vida, você não vai querer perder tempo enaltecendo o trabalho de um concorrente. É mais lucrativo enfiar o cacete no trabalho de um colega.”
Pérola #3: “Lembro agora daqueles profissionais que não perdem a chance de criticar um colega para o chefe. Aquelas pessoas que parecem mais preocupadas com o que aparece na tela do colega do que com o que aparece na tela à sua frente. E aqueles líderes que sempre creditam a eles tudo que dá certo e culpam a equipe por tudo que dá errado.”
Pérola #4: “Quando a publicidade é a sua vida, você só acumula cultura publicitária. Isso prejudica o critério para avaliar o seu próprio trabalho e deixa você vulnerável para inadvertidamente desrespeitar pessoas e perpetuar preconceitos.”

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[accordion id=’6′][item title=’Por um ambiente mais respeitoso, humano e colaborativo.’]
Defendo aqui os valores que procurei cultivar na minha agência, além do pacote indispensável de talento e competência.
Mais liberté, égalité, fraternité, em todos os sentidos. Ou mais humanidade, colaboração e respeito.
Você já foi desrespeitado por algum motivo, em alguma empresa?
Tratado com desdém por ser mulher, ou nordestino, ou negro, ou índio, ou estagiário e inexperiente dentro de uma agência?
Já pensou quanto dinheiro você ganharia se as agências respeitassem a hora extra?
Ou quanto tempo mais teria para si mesmo e sua família, se fossem respeitados os horários de trabalho, os fins de semana e feriados?
No mundo inteiro há um momento em que toda agência, toda empresa, precisa de um mutirão. Não tem jeito, às vezes é preciso virar a noite. Mas o que deveria ser exceção, no Brasil é a regra.
Não se preza gente hardworking simplesmente; o que se quer é um bando de workaholics.
Sabe aquele ideal da agência de fazer de você um profissional que respira, come, ama e sonha com o trabalho? Então, é pura enganação!
Uma caricatura: “Agência Universal do Reino dos Meus”, onde quem ganha mesmo são os profetas, donos dela, e seus pastores bem remunerados.
De abuso em abuso, tenho a impressão que as agências às vezes podem virar fábricas de gente infeliz. Como se pode querer tirar o máximo de criatividade de quem trabalha infeliz?
O sonho de alguns publicitários depois de um certo tempo, mesmo ganhando bem, é deixar de ser publicitário para fazer outra coisa.
Sei lá, abrir uma sorveteria, um restaurante, uma startup, até mesmo uma consultoria… ironicamente, usando o capital que um bom emprego em uma agência lhe permita juntar!
Porque, cá entre nós, agência é onde dá pra ganhar um bom dinheiro, embora ralando como um infeliz.
Por tudo isso, fico pensando se, em lugar da era glamurosa dos MAD MEN, não estaríamos vivendo nas agências a era opaca dos SAD MEN.
Pronto, falei!
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[accordion id=’7′][item title=’Um presente jurássico: o ciclo de planejamento.’]
Trata-se de uma relíquia histórica com valor quase arqueológico. Mas que pode ser muito útil ainda.
No final dos anos 90, a JWT criou em Nova Iorque o cargo de Chief Knowledge Officer e entregou-o a um publicitário inglês que viveu muitos anos no Brasil, chamado Andrew Fenning. Foi diretor de planejamento na América Latina, antes de mim.
O Andy teve uma idéia maluca: desenvolver um software que servisse como roteiro de estudo e compreensão do negócio do cliente, para todo mundo na agência usar.
Business Kinectics era como se chamava o programa.
Naquela época, a metodologia de planejamento da JWT estava evoluindo do clássico e famoso Thompson Way of Planning Advertising para uma nova metodologia, chamada Thompson Total Branding – TTB.
Eu era responsável pelo planejamento na América Latina e no Caribe e, portanto, um dos quatro diretores regionais – além da América do Norte, Europa e Ásia – envolvidos no programa sob a liderança do head of planning mundial, David Baker. Seu braço direito em Londres era o Richard Block, grande planejador norte-americano e músico.
O software foi entregue em CD-ROM em uma malinha metálica estilosa. Mas nunca chegou a ser implementado. Mudou o presidente e o novo dono do pedaço extinguiu o cargo e o programa. Andy voltou para a Inglaterra. Tudo se perdeu.
Talvez ainda exista no arquivo de alguém em algum escritório. Talvez eu seja o único que ainda tenha tudo. Na duvida, resolvi desenterrar parte desse programa, com mais de 15 anos de idade, e celebrar, dando a ele visibilidade.
Passei mais de um ano convertendo-o em uma espécie de “hot site”, usando o iWeb, o mais primitivo dos HTMLs, pois, afinal, não sei programar na unha.
Infelizmente não pude traduzí-lo para o português. Levaria outro ano de trabalho, pelo menos.
Virou um genuíno roteiro de planejamento. Segue o processo imaginado por Stephen King, se não o principal, um dos principais inventores do planejamento nos anos 60. Esse processo é conhecido pelo nome de “Ciclo de Planejamento”.

  1. Onde estamos?
  2. Por que estamos aí?
  3. Onde queremos chegar?
  4. Como fazer para chegar lá?
  5. Onde conseguimos chegar? Onde estamos de novo?

CICLO2

Foi apropriado por inúmeras escolas de planejamento. Aparece, na totalidade ou em parte, em várias metodologias.
Em cada uma das cinco etapas há um índice de itens e questões que devem ser investigados. Serve para manter a noção da “floresta” como um todo, sem perder a conta das árvores. Isto é, permite uma visão de pássaro do processo de planejamento como um todo, do começo ao fim, sem perder de vista os detalhes de cada etapa.
Contém também ferramentas notáveis, que aparecem apenas delineadas. A principal delas é o rascunho do “Consumer Buying System”, que ainda uso, à minha maneira, em muitas consultorias de planejamento.
Presto assim a minha homenagem à casa onde aprendi planejamento. Em respeito, mantive o discurso da marca na época, a identidade visual e o nome Thompson.
Aproveitem!
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Hotsite.001
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