Não foi fácil viajar para Maturacá, de onde saiu a equipe multidisciplinar para o etnomapeamento das trilhas que levam ao Yaripo –  Pico da Neblina, em idioma Yanomami. Seria uma viagem de 9 horas que durou 15, por estrada de terra e cursos d’água.

Mapa.001Em São Gabriel da Cachoeira, na “nuca” da região conhecida como Cabeça do Cachorro, no estado do Amazonas, três caminhões da 2ª Brigada de Infantaria de Selva vieram às 08:00 da manhã para nos levar até os barcos no Igarapé Ya-Mirim, a 85 km de distância na controversa BR-307.
Ela cruza a Terra Índígena do Balaio e o Parque Nacional do Pico da Neblina, para alcançar Cucuí, na tríplice fronteira com a Colombia e a Venezuela. Sequer metade dessa rodovia de 220km é transitável, e ainda menos nesta época de chuvas. As obras de conclusão e mesmo manutenção da rodovia estão suspensas, à espera de difícil licenciamento.
FullSizeRenderAtravessamos a linha do Equador e desembarcamos no portinho Frente Sul, onde nos esperavam quatro “voadeiras” ou barcos a motor, duas do Exército e duas dos Yanomami. A carga principal eram os mantimentos e equipamentos necessários para apoiar, alimentar e abrigar cerca de 30 pessoas da expedição ao Yaripo, prevista para durar em torno de nove dias.
Além do militares – Tenente Vitor Hugo, Sub-Tenente Raul e o médico Dr. Hermes – compunham o grupo o teólogo Marcos Wesley, coordenador-adjunto do Programa Rio Negro, o antropólogo Renato Soares e eu, nós três do Instituto Socioambiental; a geógrafa Luciana Uehara e o biólogo Flávio Bocarde, chefe do Parque Nacional do Pico da Neblina, ambos do ICMbio, Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade; e Fernando M. Soave do Ministério Público Federal do Amazonas, Procuradoria  Regional dos Direitos do Cidadão, 5º Ofício de Índios e Populações Tradicionais.
DSCF3553Do Ya-Mirim navegamos até o Ya-Grande, que desagua no Rio Cauaburis, e daí até o Igarapé de Maturacá e, finalmente, ao nosso desembarque no Igarapé Ariabú.
A viagem deveria durar seis horas, subindo o curso fluvial, mas, no meio do caminho, um dos motores Yamanha 40 CV pifou. E, como previa a Lady Murphy, o motor-estepe também quebrou, logo em seguida.
Não houve outro jeito se não prosseguir lentamente, nosso barco rebocado por outro, deixando para trás 3 soldados acampados na margem do rio, a serem resgatados depois.
A jornada fluvial acabou durando mais de dez horas, sendo as três últimas debaixo de chuvas torrenciais, que encharcaram as roupas do corpo, a despeito de chapéus, capas de chuva, sacos plásticos e lonas improvisadas. Nada mais “rainforest” do que isso! Felizmente o equipamento fotográfico, iPhone, iPad, documentos e parte das minhas roupas estavam protegidos em um saco estanque, especial para a região amazônica.

Desembarcamos por volta das 23:30, molhados até os ossos. Comemos o rancho tardio com os soldados e fomos dormir nos beliches do dormitório de visitantes do 5º Pelotão Especial de Fronteira, depois de um banho frio de chuveiro para tirar a lama do rio.
No dia seguinte, antes do café-da-manhã no Rancho do pelotão, corri para o galpão de comunicações onde o wifi livre nos permitia usar o WhatsApp, já que nenhum operadora de celular tem rede na região. Sem a internet por satélite do Exército, estaríamos incomunicáveis.
A agenda do dia era crucial. Participaríamos da assembléia da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes, AYRCA, com as comunidades de aldeias próximas, como Maturacá, Maiá, Ariabú etc. O local do encontro era a Missão dos Salesianos, distante 3 km dos alojamentos militares por uma trilha no mato. Lá mantêm uma escola com um galpão de congregação e prática de esportes.
O objetivo seria fazer o planejamento da expedição e selecionar os 24 Yanomami, incluíndo tuxauas de algumas  comunidades, que guiariam os brancos, civis e militares, e fariam a identificação dos locais sagrados e marcos da história do seu povo no Yaripo. Mas esse é outro causo que contarei no próximo post.
Até lá, para quem não sabe a origem e o propósito dessa expedição, leia o post anterior, “A startup de ecoturismo sustentável dos Yanomami“.
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