Crônica da Fernanda Valdívia, chef da Padoca do Maní, revela um novo significado do verbo “nadar”.
A Todo Vapor
Do alto da escada acompanhamos a velocidade do restaurante, está explícita na expressão de quem sobe. E sobem todos eles, aos montes, dezenas de vezes ao dia atrás de cebola, caldos, mandioquinha, manteiga, páprica, caju, e ar puro. Muitas vezes eles sobem apenas para tomar fôlego e é assim todo santo dia. Eis que de repente, surge um sinal de Tsunami, é o primeiro cozinheiro a demonstrar qualquer desespero como se a produção tivesse saído do controle: cara, estou nadando.
Nadar é o termo que melhor define a agonia de saber de cor e salteado tudo o que precisa ser feito até um certo horário e desconfiar de que não vai dar tempo de nada. Você tem lá seu programa de coisas a fazer, que sempre coube bem naquele espaço de tempo, mas um belo dia um contratempo acontece e você tem que acelerar o corpo para tirar o atraso. Pode ser algo que saiu errado e tem que refazer, pode ser um maior volume da mesma coisa porque consumiram mais na noite anterior, ou pode ser que seu chefe acorde inspirado e resolva mexer na sua mise en place. Sabe aquela gratin de mandioquinha? Esqueça, agora será de arroz com coco. Arroz? Sim, corra! Quem cruza o coitado pelo corredor, pensa: antes com ele do que comigo. É como uma loteria, um dia o chefe escolhe mexer na sua praça.
Pois hoje, do alto da escada, passados alguns minutos, apareceu um segundo nadador, ainda mais aflito do que o primeiro. Outro traço comum dessa natação peculiar são as piadas contadas para ninguém, dentro da câmara fria. O cara tira sarro de si mesmo, porque dar risada é uma forma de extravasar o nervosismo. Lá dentro o coração bate: não vai dar tempo, não vai dar tempo.
Em seguida sobe o terceiro, o quarto, como se fosse um campo minado, você vai desviando de todos eles, nadando em sentido contrário. Até que finalmente alguém te cutuca pelas costas e quando você se vira: o Dani está te chamando. Ia tudo bem só me faltava assar os pães da noite, bater a massa do dia seguinte, hoje é meu rodízio, ainda tenho que responder uns e-mails, mas sim chefe! E enquanto ele falava, eu me sentia sentada à beira da piscina, vestindo o pé de pato, colocando os óculos, alongando os braços, e finalmente: – Oído? É a palavra de ordem, significa que você pode pular na água.
Hoje o restaurante inteiro correu contra o tempo e acompanhou o surgimento de grandes pratos, grandes ideias. É isso que mantém a chama acesa, a adrenalina em alta, o sangue pulsando forte. É também o que nos alimenta, nos inspira, e renova o carinho por aquilo que fazemos.
E que amanhã nademos ainda mais!
(clique aqui para ver a crônica original no blog do Maní)
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