Poucos dias atrás, em Londres, o guru do planejamento da WPP voltou a frisar o que ele acha equivocado no planejamento hoje. Só que dessa vez apontou algumas causas.
noizÉ o que nos conta Ramiro Amaral, brasileiro, diretor de planejamento da Renault na Publicis Londres, que assistiu o Jon falar no ciclo de palestras Noisy Thinking, do Account Planning Groupa associação que inspirou a fundação do Grupo de Planejamento aqui no Brasil.
Morando há quase 4 anos em Londres, Ramiro publicou, no grupo PlannersBR do Facebook, um relato lúcido e resumido do ele que ouviu ao vivo do Jon Steel. E que reproduzo aqui com a sua permissão e com os meus comentários.


Principais Pontos da Palestra do Jon Steel
Por Ramiro Amaral
Basicamente, nosso mestre dos magos está tão insatisfeito quanto nós (assumo que seja o sentimento geral…).  O tema não foi apenas dizer que tem algumas coisas erradas com o planejamento hoje, mas mostrar as razões das coisas estarem erradas.
[Clique nas barras cinzas abaixo para expandí-las e ler essas coisas erradas]
[accordion id=’1′][item title=’Planejamento não é mais uma disciplina baseada em pesquisa’]
Leiam isso também como “conhecimento de causa”. Antes os planners saiam do escritório, faziam pesquisas eles mesmos, falavam com as pessoas, falavam com o trade etc. Hoje a grande maioria não faz mais isso (embora eu ache que isso é mais verdade aqui em UK que no Brasil).
Nós estamos cada vez mais recorrendo mais à internet do que buscando nos envolver com as fontes primárias para ter conhecimento do que estamos tentando resolver.
Nota do (Blog do) Jura:

Também acho que aqui no Brasil a questão não é tão acentuada como no Reino Unido. Nossos bons planejadores não perderam o contato com o campo. Nem com o ponto de venda, nem com as pessoas. Mas, ao mesmo tempo, aqui temos menos pesquisas, menos dados primários, muito mais desk research do que field research.

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[accordion id=’2′][item title=’Agências não treinam mais os planejadores como costumavam’]
Não existe mais esse hábito nas agências, segundo o Jon. Na sua época, na Goodby, Silverstein & Partners, sempre recrutavam junior planners e desenvolviam um plano de carreira. Acho que há uma grande diferença cultural aqui. Eu sinto que nossas agências no Brasil nunca tiveram um claro plano de carreira…
Nota do (Blog do) Jura:

Creio que o Jon se referia (sem tê-lo ouvido) a programa de treinamento e desenvolvimento profissional per se, que, se hoje houver em alguma agência, nem se compara aos que haviam no passado. Eu mesmo fui Diretor de Planejamento da JWT na América Latina durante 7 anos e fazia parte do meu job description formar e desenvolver as equipes de planejamento da minha região.
Organizei e ministrei dezenas de cursos, workshops e seminários sobre The Thompson Way of Planning Advertising e, depois, Total BrandingDa mesma forma, tornei-me um planejador melhor atendendo a incontáveis eventos similares na JWT e, depois, na WPP, que me ensinaram, ensejaram a troca de experiências com outros planejadores e me motivaram. Infelizmente isso não existe mais a não ser minimamente.

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[accordion id=’3′][item title=’Agências e clientes não são mais parceiros’]
Para ilustrar o ponto, Jon falou que, na Goodby, Silverstein & Partners, eles declinavam de novos clientes na primeira reunião, que eles aqui chamam de chemistry. Se não sentissem que esses prospects realmente acreditavam em comunicação e criatividade para alavancar os negócios, eles não iam em frente. Disse que essa harmonia de pensamento e visão está cada vez mais difícil de se encontrar.
Nota do (Blog do) Jura:

Pois eu acho isso ainda mais acentuado no Brasil do que no Reino Unido. Recusar um cliente porque não houve ‘química’ na primeira reunião de interação? Bater de frente com um cliente mesmo que isso signifique não emplacar a conta? Insistir com o cliente que o que ele quer não é o que ele precisa? Duvi-de-o-dó! Sei de alguns casos que, na verdade, são apenas a exceção.

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[accordion id=’4′][item title=’Consultores de concorrência’]
São os [planejadores] intermediários, que contribuíram imensamente para deterioração da posição do planejamento da agência. Colocam preço e entrega eficiente antes da própria qualidade do trabalho.
Nota do (Blog do) Jura:

Essa é uma questão delicada mas verdadeira. Veja bem, não é só culpa de free-lancers. Sim, um exército deles existe à disposição no mercado, até em condições insalubres de concorrência. Mas quem pode culpá-los por isso? Muitas vezes, fazem trabalhos brilhantes, em pouquíssimo tempo (embora com bastante recursos, dependendo do tamanho da concorrência).
Está cheio de agência que tem planejamento forte só para a ganhar a concorrência. Quantas vezes o departamento inteiro da agência não passa o ano inteiro trabalhando em concorrência, tipo de 50% a 80% do seu tempo (até com reforço eventual de algum free-lancer)?

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[accordion id=’5′][item title=’Corte de custos’]
Talvez o planejamento seja uma das áreas mais afetadas quando se enxugam custos de todos os lados, porque o nosso trabalho é muito mais difícil de tangibilizar do que o de outras áreas.
Grandes departamentos de planejamento são cada vez mais raros.
Nota do (Blog do) Jura:

E quando existem, é porque estão profundamente enfronhados nas concorrências. E cheios de tarefas periféricas no dia-a-dia, como fazer todas as apresentações que o atendimento não faz, porque a criação só faz a parte dela, porque a mídia não tem sex appeal etc.
Faz parte dessa redução de custos a juniorização dos departmentos de planejamento. O isolamento do diretor de planejamento que fica sem interlocutores à altura para debater caminhos estratégicos. Vejo o sofrimento de jovens gerentes ou diretores de planejamento, ansiando para ter um tutor ou, simplesmente, um macaco velho para discutir opções.

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[accordion id=’6′][item title=’Quem planeja não são os mesmos que realizam a pesquisa’]
Jon Steel sempre bateu na tecla de que, se a pesquisa é feita pelos planners (falando muito mais de quali), é possível se enriquecer com as nuances que se percebe no processo e levar essas nuances para o processo criativo.
Isso não acontece mais, e os planners estão deixando as agências de pesquisa fazer o que eles deveriam.
Nota do (Blog do) Jura:

Nisso discordo do Jon Steel, para quem se trata quase de um dogma. Tenho certeza de que o planejador não precisa ser necessariamente o pesquisador, basta ser um usuário inteligente de pesquisa e que saiba contratar um pesquisador ou empresa inteligente de pesquisa. Eu me tornei planejador quando quase todo planejador fazia pesquisa. Era de lei. Tive que romper o paradigma. Não era e não sou um pesquisador. Mas ávido e atento usuário de pesquisas.
O mesmo afastamento que é bom o planejador ter da criação para poder avaliar seu mérito estratégico, é bom o planejador ter da pesquisa para poder avaliar seu mérito criativo e prático.
O curso de Introdução à Estatística para Planejadores do Prof. Altay, organizado pelo GP, ensina justamente como ter critérios para distinguir uma boa de uma má pesquisa.
Além das pesquisas inteligentes que alimentam o processo criativo e a busca por efetividade, há mais pesquisas inúteis e inconclusivas entre o céu e o inferno do que sonha a vã filosofia do planejamento.

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[accordion id=’7′][item title=’Mindset de eficiência e não de efetividade’]
Os clientes hoje procuram agências que possam entregar o que eles querem (acham que sabem a solução), mais barato e mais rápido, não necessariamente agências que vão entregar um melhor trabalho e com maiores resultados.
Nota do (Blog do) Jura:

Eis um velho ditado, corrente entre as agências no passado, mas que hoje talvez poucas pratiquem: “É muito fácil aprovar com o cliente o que ele quer. Difícil é aprovar o que ele precisa.”

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[accordion id=’8′][item title=’Mentalidade de curto-prazo’]
Isso também está relacionado com agências e clientes cada vez menos parceiros nas suas relações. Os CMOs que ficam em média dois anos nos seus cargos querem mais ter fama em curto prazo do que de fato construir a marca no longo prazo.
Nota do (Blog do) Jura:

Corretíssimo. Cheio de diretor de marketing que fica no máximo dois anos na função e já entra querendo mudar tudo e deixar a sua marca. Aliás, a marca que conta, aquela que se vire no longo prazo. Eu só acrescentaria duas coisas: também a rotatividade é altíssima nas agências, creio que até maior do que no cliente. E a agência quer mais é faturar, se o novo diretor de marketing quiser mudar tudo, desde que seja a agência que conduza a mudança, então tudo bem.

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[accordion id=’9′][item title=’Efetividade de Likes‘]
Estamos um tanto paranóicos em usar métricas sociais pra mostrar que as campanhas funcionam. Perdemos o foco em métricas de marca e negócios.
Nota do (Blog do) Jura:

Jon Steel tem martelado esse bordão, direto. É um dos temas centrais de um post que fiz recentemente: “O imperador está sem roupa”.

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[accordion id=’10’][item title=’Onde está nossa consciência?’]
Aqui ele falou tanto no fato do departamento de planejamento ser a consciência da agência, garantindo que a criatividade está sendo bem aplicada, mas também que nós estamos fazendo pouco para mudar um mundo consumista, na sociedade de que fazemos parte.
Acho difícil discordar com a maioria dos pontos levantados por ele. É claro que também existem diferenças entre Brasil e UK, mas em linhas gerais estamos num mesmo barco. Que só parece afundar, por sinal.
É sempre bom escutar de alguém tão sênior e emblemático no mercado, ainda mais de alguém que sempre primou pelos fundamentos do que faz alguém ser um bom planejador. Mas também acho que para alguém na posição de influência que ele tem na indústria e dentro do WPP, é bastante confortável só ficar falando dos problemas em vez de buscar batalhar por uma solução, e mostrar mais isso.
Então perguntei pra ele o que o dono (ok, CEO) do grupo em que ele trabalha, Martin Sorrell, está fazendo pra ajudar a melhorar o contexto em que vivemos, e que, na minha humilde opinião, apenas os líderes de fato desta indústria podem fazer para verdadeiramente melhorar as coisas.
Sua resposta: Martin concorda com tudo, mas acha que o grande problema é o crescente corte de custos por parte dos clientes. Eu devia esperar por uma resposta como essa mesmo.
Até nosso mestre dos magos se entregou pro sistema que ele vê afundar…
Nota do (Blog do) Jura:

Ramiro, parabéns pelo relato. E, sobretudo, pela visão crítica. Eu não perdôo o Martin Sorrell por ter destruído a cultura de planejamento da JWT

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Tenho publicado e comentado as críticas do Jon Steel aos rumos e feições que o planejamento tomou nos últimos anos. E também as contestações que ele recebeu de outros planners. Confira:

Também recomendo a leitura de uma entrevista com o Jon Steel, que o Carlos Henrique Vilela publicou no seu blog Unplanned, no ano passado:

Finalmente, vale pena ver a mensagem que o Jon Steel gravou para o “Click! Planejamento Criativo”, da ESPM em Porto Alegre, em 2012, que o Felipe Morais sugeriu no post do Ramiro em PlannersBr. Legendado em português.